quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Bibi e o Ovo da Serpente - Michel Gherman



O canal 1 é o canal público  de Israel. Ele  é (ou ainda é), a despeito de sua estética dos anos 70, o canal com mais profundidade em suas análises políticas. A ausência de propagandas e sua consequente independência permitem ao canal 1 mais tempo para entrevistas e perspectivas mais sofisticadas em seus programas. O canal 1 tem analistas com opiniões diversas e oferece mais possibilidades de opiniões políticas para o telespectador em Israel, apesar de sua estética retrô e seus constantes problemas técnicos (além de volta e meia o telefone do apresentador tocar no ar).

Pois foi justamente do canal 1 que vi a mais surpreendente e esclarecedora entrevista sobre as eleições internas doPartido Likud.

Ronie Bar On, do Kadima,  era entrevistado pela famosa jornalista Geula Even. Bar On é o típico político oportunista. Membro do Likud por anos, protagonista de alguns escândalos de nepotismo, ele saiu  do Partido e se ligou ao Kadima de Sharon, quando isso lhe pareceu confortável em termos eleitoreiros. Nesta entrevista Bar On resumiu com clareza impressionante os riscos do Likud em sua versão 2012 para o Estado e para a sociedade  Israelense, em suas  relações internas e externas.

As eleições internas do Likud são diretas, os militantes votam em listas construídas de acordo com suas preferencias. Na entrevista Bar On falava sobre as eleições internas do Partido no poder, ele afirmou:

-Há possibilidade de que candidatos de centro no Likud, fiquem de fora da lista final. Tenho medo que Dan Meridor e Beni Begin fiquem  muito mal colocados, ou mesmo  de fora...

Neste momento ele foi interrompido por Geula:

- Mas digamos que Beni Begin não pode  ser considerado exatamente um político da esquerda, certo?

Ao que Bar On respondeu:

- Pois bem, estamos falando de outros candidatos que são um risco à independência do poder judiciário, à igualdade entre cidadãos árabes e judeus, à democracia... neste caso até Beni Begin está à esquerda.

Pois bem,  este foi o quadro final. Michael Feiglin, colono da Cisjordânia, típico militante da extrema direita neo sionista[1] está entre os 15 primeiro colocados. Begin, não.

Feiglin é o símbolo do Likud hoje. Nos últimos anos ele tem inchado o partido com  eleitores da extrema direita. Após anos de tentativa, com a aproximação entre o Likud e o Israel Beiteinu (do Liberman), a extrema  direita ganha espaço e hegemoniza o partido. Bibi se esforça para manter o poder, se aproxima da extrema direita e o Likud se transfora em um partido de extrema direita, com candidatos que não tem interesse algum em manter a independência do judiciário e  pretendem desconstruir a democracia em Israel. Até Bar On percebeu.

Bibi chocou o ovo da serpente, há um processo de fascistização que ao final vai derrotá-lo no próprio partido... vamos todos ser picados pela serpente da extrema direita, até ele.


[1] Uri Ram, The Future of the Past in Israel - A Sociology of Knowledge Approach, in Benny Morris, Making Israel, the University of Michigan Press, 2007.

Os Espólios da Guerra e a Preparação para as Próximas Batalhas - Marcos Gorinstein



Desde que Israel e Hamas acordaram com o cessar fogo intermediado pelo Egito, começaram as discussões para ver quem foram os vencedores dessa guerra.

No início eu pensava que não poderíamos encontrar vencedores, afinal de contas, mais de 150 mortos, centenas de desabrigados, pessoas que tiveram que sair de suas casas por uma semana em Israel e em Gaza.

Mas mesmo assim a disputa pela vitória era acirrada. Boa parte da mídia israelense tentava vender a idéia de que o sucesso demonstrado pelo sistema de defesa chamado Domo de Ferro (Kipat Barzel), que bloqueou centenas de misseis do Hamas que cairiam em cidades e seus arredores, e a inteligência de Israel, que além de matar o “General” do Hamas, Ahmed Zaberi, teria destruído arsenais de mísseis do grupo fundamentalista islâmico.

Em Gaza e nos Territórios Ocupados da Cisjordânia a comemoração foi grande. Aqui em Jerusalém Oriental eu pude ouvir fogos e buzinas de carros, logo após o anúncio do cessar-fogo às nove da noite. Para eles que comemoravam a vitória era clara. Obrigaram o governo israelense a um cessar fogo no dia em que houve um ataque terrorista a um ônibus em Tel Aviv, depois de jogarem mísseis em Tel Aviv e Jerusalém, obrigando os políticos a irem para abrigos.

E aí? Quem venceu?

HAMAS x Bibi – Liberman

Sem dúvida de quem se saiu vitorioso entre o governo de Israel e o Hamas foi o grupo fundamentalista islâmico. Jogaram mísseis aonde quiseram, jogaram parte da opinião pública mundial (que geralmente já é anti-Israel com posturas, muitas vezes, irresponsáveis) contra Israel e conseguiu concessões no que diz respeito ao embargo imposto pelo governo de Bibi.

Já o governo anda meio perdido nesse momento. Eleições por vir, dificuldades econômicas, a primavera israelense (movimento iniciado há um ano e meio que levou milhares de pessoas às ruas exigindo justiça social) ainda não acabou e pode dar um pequeno suspiro nessas eleições. Além disso, o discurso governista de que não podia sentar para discutir paz, vai por água a baixo novamente. Bibi negociou com o Hamas para soltar o prisioneiro israelense, Gilad Shalit, e discutiu novamente o cessar fogo. Por que então se recusa veementemente a conversar com o Hamas sobre paz? (talvez porque ambos não queiram isso!!!!!!)

O governo de Israel e o Hamas se falam por intermédio de Bombas

FATAH e Esquerda Israelense

O Fatah também foi um grande derrotado nessa guerra. A estratégia do Hamas de voltar ao centro das atenções na Palestina deu certo. Passaram a ser novamente os interlocutores com Israel, principalmente depois que o governo Israelense resolveram dizer que não tem parceiros para a paz do lado palestino.

Menos de um mês antes da ida de Abu Mazen, presidente da OLP, à ONU pedindo o reconhecimento do Estado Palestino, o Hamas necessita da guerra para poder aparecer no cenário e Israel dá ao Hamas o que ele pede. Tenta tirar de cena um possível parceiro nas negociações e fortalece um movimento terrorista.
Como disse Mazen após o anúncio de cessar fogo, Israel está mostrando que a única forma de resistência possível para se conseguir alguma coisa é através de mísseis e bombas.

A esquerda Israelense sempre fica em uma situação complicada em épocas de guerra. Por mais que sejam contra a guerra, precisam dar uma resposta imediata aos mísseis que caem na casa de cidadãos israelenses. Contudo, mesmo assim, tentam mostrar que a guerra não resolve nada, como também não resolve nada o cessar fogo. O que resolve é à volta às negociações e a paz.

A Volta por Cima dos Setores Progressistas

Amanhã, dia 29 de novembro, será votada na ONU a admissão da Palestina como país membro, sem direito a voto. Basicamente, isso representa que os palestinos terão o seu Estado reconhecido e que Israel comete, oficialmente, um crime contra outro país soberano. Isso pode causar um enorme problema político, pois líderes israelenses podem ser acusados de crimes de guerra e serem processados no Tribunal Internacional de Haia.

A vitória Palestina é certa.

Curioso é que os palestinos terão seu Estado reconhecido pelo mundo exatamente 65 anos após a Assembléia da ONU que votou pela Partilha da Palestina em 29 de novembro de 1947. Foi uma data escolhida por Abu Mazen, esperamos que dessa vez eles também aceitem a decisão da ONU.

Já a esquerda Israelense deu sinais importantes ontem. O Meretz e o Hadash, partidos à esquerda dentro do cenário político Israelense deram total apoio à ida de Mazen à ONU. O Hadash é um partido misto, composto por árabes e israelenses, não sionistae o Meretz, sionista. Ambos defendem dois Estados para dois povos.

Porém, o mais importante nisso tudo (sem contar a criação do Estado Palestino!!!!!) é a demonstração de que Fatah, Meretz e HAdash estão dispostos a conversar. Aceitam um ao outro e podem conseguir chegar a soluções para o conflito caso sejam fortalecidos pelas populações do seus países.
Temos que transformar a o discurso da vitória do Hamas (através de mísseis) e do governo Bibi (de que a inteligência de Israel e a defesa do país são ótimas) em derrotas e dar, mais uma vez, chance à paz. Fortalecer o Fatah e a esquerda israelense é o que todos que não querem mais derramamento de sangue devem fazer.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Catando os Cacos da Guerra - Michel Gherman

Este final de semana pude finalmente ver a entrevista do líder do Hamas, Khaled Meshal., concedida a repórter da CNN, Christhiane Amanpour.

Apesar de estar com aparência tranquila e um discurso mais afinado a perspectivas liberais, a narrativa de Meshal continuava profundamente dura e excludente, com relação ao futuro da região e as relações com o vizinho Estado de Isrel. 

O que impressiona no discurso de lideranças do Hamas, principalmente depois da última operação em Gaza, é a repetida forma de excluir e não perceber o outro lado como legítimo. A “este lado” não cabem narrativas alternativas, possibilidades de história e reconhecimento.  Em algum momento na entrevista, houve um pronunciamento pretensamente avançado por parte de Meshal que afirmou aceitar a existência de um Estado Palestino ao lado de outra entidade estrangeira, segundo uma série de condições. Não vou aqui me referir a tais condições (que virtualmente tornam inviável qualquer acordo com Israel), queria sim apontar para uma pergunta que Amanpour fez reagindo a tal informação:

“Então você aceitaria o direito de existência de Israel?”

Seguida da a resposta:

“Não. Eu aceito um Estado de 1967. Eles ocuparam minhas terras, eu exijo reconhecimento, não eles!”

O debate de Meshal passa a ideia de que há no conflito dois lados, fechados a quaisquer infiltrações e onde vítimas e culpados estão definidos desde sempre e debate é sempre nacional e coletivo, impossibilitando divisões e rachas, de lado a lado.

 Não tenho dúvida do quão confortável é esta perspectiva. Tal visão chapada coloca Hamas, e nesta dimensão, os Palestinos, contra Israel, enquanto Israel passa a ficar contra o Hamas (que passam a ser os Palestinos) e pronto. Em tempos de rápidas informações e rápidos posicionamentos, estas dinâmicas são importantes para saber de que lado devo estar, confortavelmente e sem necessidade de grades investimentos em reflexão e análise.


Esta visão estritamente nacional e excludente é uma tragédia. Por um lado é uma tragédia política que faz com que pessoas desinteressadas em maiores compromissos reflexivos decidam, na boca do caixa, em que cavalo devem apostar nesta fast food ideológica. Por por outro lado, é uma tragédia porque abrem-se espaços para que propostas excludentes, reacionárias e simplificadoras ganhem legitimidade e passem a ameaçar de fato estruturas democráticas.

Alguns destes sinais evidentes são as entrevistas dadas em canais israelenses, que propiciavam encontros entre deputados representantes da população árabe em Israel e membros do parlamento representando os partidos de direita . Em tais entrevistas a lógica de Meshal, exclusivamente nacional, encontrava guarita e ganhava fôlego.

Como exemplo, cito o encontro (imperdível para qualquer reacionário experiente) entre o deputado árabe, do Partido Pan-Árabe Ta´al, Ahmed Tibi, e, Gila Gamliel, deputada do direitista Likud. Enquanto ele gritava que as vítimas do exército de Israel em Gaza eram mais vítimas do que as vítimas israelenses deste lado da fronteira, Gamliel esbravejava que ele não devia ter cidadania pois apoia o inimigo.

Amigos deputados, Khaled Meshal ( e outros tantos ideólogos do nacionalismo excludente, de triste memória) ficariam orgulhosos de vocês. Negar a dor e a história do outro é um excelente remédio para o fortalecimento da exclusão e do racismo. É hoje e sempre foi.

Assim, a guerra se foi, mas é impossível perceber que deixou muitos cacos para serem catados.

domingo, 25 de novembro de 2012

Não fui para a guerra de carro, mas voltei de carona - Marcos Gorinstein



Todo domingo e quinta feira eu viajo para uma região de Israel chamada Gezer, no centro sul, entre Jerusalém e Tel Aviv, perto do aeroporto e das cidades de Lod e Ramla. Há dois ônibus que eu posso pegar, o 438 (ele não vai nem pra Vila Isabel e nem pro Leblon) e o 448, ambos saindo de Jerusalém e indo até Ashdod, cidade costeira que fica a cerca de 30 km de Gaza.

No último domingo, ao entrar na rodoviária de Jerusalém, eu percebi que o 448 havia sido cancelado e um cartaz no ponto do ônibus dizia que em função das condições de segurança no sul as linhas tinham sofrido modificações. Além disso, os soldados que estavam indo para a guerra tinham preferência para pegar o ônibus.

Peguei o 438 e o ônibus estava vazio. Geralmente há fila (ou quase isso, porque fila é uma palavra que não consta no dicionário de hebraico!) e uma tradicional confusão para se pegar o ônibus, mas não nesse dia. No caminho passamos por três caminhões do exército transportando tanques para a entrada de Gaza.

Quinta feira, quatro dias depois, poucas horas depois do cessar fogo, lá vou eu novamente, para Gezer e, mais uma vez, observo algo novo para mim. Na entrada da plataforma do ônibus tinha um cachorro Dálmata preso num ferro ao lado de uma mala rosa. A dona do cachorro e da mala estava comprando bebida no quiosque em frente. Um casal e suas duas filhas tentavam passar pelo cachorro, mas não conseguiam, ficaram com medo, só o pai conseguiu passar.

Ele segura a porta e começa a gritar:

- “Venham, venham, vocês vão perder o ônibus! Venham, venham. Venham agora, já. Motorista! Motorista! Motorista, espere, motorista!”.

Desesperado para não perder o ônibus ele gritava sem parar, como um louco. Enfim, sua esposa e suas filhas entram no ônibus e a mãe abre um sorriso fala:
  
- Oi motorista, vamos para Ashdod, estamos voltando pra casa.

Continuam fazendo uma bagunça enorme até que os quatro se acomodassem e o pai voltasse pra pagar as passagens. E quando pra minha surpresa entra no ônibus a moça do cachorro Dálmata com a mala rosa (que era do tamanho do cachorro), uma imigrante russa, ainda aprendendo a falar hebraico.  E esse foi o cenário:

Sobe escada, empurra a mala, cachorro excitado e irritado com a focinheira, abre bolsa, pega a carteira, cachorro empurra, mala cai, gritos com o cachorro, pega o dinheiro, motorista pergunta pra onde ela vai, cachorro empurra, desce a escada, puxa o cachorro, vai no banco, deixa a mala e o cachorro, volta pra falar com o motorista, o motorista pergunta novamente pra onde ela vai, o cachorro volta, o motorista reclama do cachorro, ela grita com o cachorro, as pessoas da fila começam a reclamar, todos temem o cachorro, mas enfim ela responde ao motorista após ser perguntada pela terceira vez:

- “Eu vou para Ashdod, motorista”.

Pouco tempo depois do término do conflito as pessoas tentam voltar às suas vidas e retornam às casas. Todas devem pensar se terão que fugir novamente, quando (e não se) esse terrível conflito se expressará em forma de guerra e mísseis novamente.

Na minha volta para Jerusalém, estava  esperando o 448, quando um carro para na minha frente. Desce um soldado e diz:

- “Jerusalém, tem um lugar”.

Sempre que eu vou pra Gezer eu pego carona depois que desço do ônibus (ele me deixa perto de onde eu preciso ir). Mas carona para Jerusalém é algo muito raro. Ao entrar no carro percebi que os outros quatro viajantes eram também soldados. Mais novos que eu, rostos cansados, mas também aliviados. Ouvem as notícias e riem um com o outro. Então perguntei:

- “Vocês estão vindo de Gaza?”

Um deles responde:

 - “Bom, não entramos em Gaza, mas estávamos lá”.

Então perguntei o que eles achavam do cessar fogo. A resposta foi rápida.

- “Não sabemos. Não vimos as notícias dos últimos dias!”

Então perguntam:

- “E você? Qual é seu batalhão?”

Respondi que não servi ao exército, que imigrei para Israel há dois anos e, em função da minha idade, já tinha expirado a minha validade para o serviço militar. Então perguntam de onde eu venho.

- “Do Brasil”. Eu respondo.

- “Que maravilha. Que bom pra você. No Brasil não tem guerra, né?”

- “Não”.

- “Bom pra você. Muito bom”.

Logo depois o carro encosta em um outro ponto de ônibus onde um outro carro já estava parado. O soldado que estava no banco do carona abre um sorriso e dá tchau para uma mulher que estava do lado de fora. Antes de sair ele cumprimenta os amigos e diz:

- “Espero que nos encontremos em tempos felizes. Nos vemos em duas semanas no parque ou na entrada de Gaza novamente”.

Então ele sai do carro em direção à mulher. Se beijam, se abraçam, riem, se acariciam. Ele sai para pegar a mochila na mala do carro.

Ela vem ao carro e diz:

- “Deixa eu ver que é o motorista”.

Ela olha para dentro do carro, cumprimenta a todos e diz:

- “Que bom que vocês estão voltando pra casa”.

Então o motorista diz:

- “Eu fui ao casamento de vocês. Cuide bem do seu marido. Ele é um líder. Todos gostam muito dele”.
Ela abre um sorriso, agradece e vamos embora. Vamos subindo a serra e o telefone do motorista toca. Estava escrito no celular: Hagit sheli, minha Hagit. Ele atende o telefone e ouvimos uma criança chorando muito no fundo. Então a Hagit fala:

- Oi, aonde você está?

- Estou no caminho pra casa. O que aconteceu? Por que a Ylilá está chorando?

- Ela estava sentada no chão e eu pisei na mão dela sem querer.

- Fala pra ela que eu comprei uma surpresa pra ela.

- Você não quer dizer isso pra ela?

- Sim, passe o telefone para ela.

Então a criança chorando atende.

- Oi Ylilá, é o papai. Tá tudo bem?

- Sim (ainda aos berros).

- O que houve? A mamãe pisou na sua mão?

- Sim.

- Tá doendo muito?

- Sim.

- Você sabe que foi sem querer, né?

- Sim.

- Você desculpou a mamãe?

- Sim.

- O papai está levando uma supresa gostosa pra você. Mas você tem que parar de chorar, tá bem?

- Sim.

- Você quer a supresa?

- Sim.

- Então, tá. Me espera que eu estou chegando. Você vai me esperar na porta pra me dar um beijo e um abraço?

- Sim.

Então ele se despede e desliga o telefone. Todos rimos em função da enorme quantidade de respostas positivas que ele conseguiu tirar da menina. E um dos soldados que estava atrás perguntou:

- Você tem duas filhas, né?

- Sim, duas.

- Essa era a mais velha?

- Sim. Ela tem dois anos e a outra tem um ano e dois meses.

O motorista muda de assunto e pergunta:

- Pra onde vocês vão em Jerusalém? Eu vou pegar a auto-estrada Begin, depois Giló e vou pro Gush Etzion[1].

Um dos soldados atrás também ia pra Giló[2] e eu e outro para o centro da cidade.

No final das contas, estão todos felizes por estarem voltando para casa e para suas famílias. Jovens, muitos ainda com menos de 30 anos, são enviados para guerra que também pode destruir suas vidas.

Como diz Bataiole, baseado nas reflexões de Nobert Elias, “não há como pensar a sociedade sem pensar os indivíduos que a compõem. Ela se dá numa relação de interação, se constrói e se estrutura, economicamente, culturalmente, politicamente... por que o homem faz parte dela como e se ajustas as suas estruturas organizacionais. Pensar a sociedade se estar inserido no seu contexto histórico é estar fora dela, da cultura que a sustenta, como ciência[3].


[1] Gush Etzion é um bloco de assentamentos ao sul de Jerusalém, perto de onde caíram os mísseis lançados pelo Hamas. A história desse bloco de assentamentos é bem interessante: começa a ser construído no início da década de 1940. Quando é aprovada a Partilha da Palestina, o bloco fica dentro do território Jordaniano. Em março de 1948 o exército jordaniano invadiu e massacrou a resistência no bloco deixando mais de 250 mortos e mais de uma centena de prisioneiros de guerra. Com o início da Ocupação em 1967 o bloco foi reconstruído e hoje conta com mais de 21 assentamentos.
[2] Entre assentamento e bairro de Jerusalém, Giló também fica fora da linha verde e foi construído no início da década de 1970. Por se tratar de um monte alto, foi usado pelo exército egípcio para bombardear Jerusalém na guerra de 1948.
[3] http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3620713
(Fotógrafo desconhecido)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Cessar Fogo e o Brinde ao Real Madrid - Michel Gherman

Somente tive certeza do cessar fogo entre Israel e o Hamas ontem quando estava  sentado em um bar de Jerusalém, acompanhando o jogo de Manchester City e Real Madrid. Isso se deve ao fato de haver um grupo de soldados reservistas, já de banho tomado, e assistindo, junto a outros tantos, o jogo, além de, claro, fazer brindes a volta pra casa.
Há algo muito simbólico em um dia como esse, quando a situação parecia piorar, com bombardeio direto a uma casa em Rishon Letzion, a morte de mais dois israelenses em cidades relativamente distantes de Gaza e, finalmente, um atentado a bomba no centro de Tel Aviv, que  as duas partes tenham chegado a um acordo. Ora, não só houve um acordo, como a maior parte dos soldados mobilizados para a operação foram  liberados, alguns deles tão rapidamente a ponto de conseguirem ver o jogo do Real Madrid. Sem entrar em debates estruturais e burocráticos, convenhamos, depois de um dia como esse isso parece enigmático e simbólico.
 
Acredito que o governo Bibi –Liberman subestimou a reação do Hamas. Este governo tinha como mira central acalmar a situação no sul de Israel (que já sofria com os foguetes do Hamas) e recolocar o debate eleitoral no eixo ameaça externa- segurança nacional. Seguindo esta percepção, o governo errou. 
Errou porque os cidadãos do sul de Israel já esperam a próxima rodada de bombardeios e não estão seguros, errou porque o Hamas sai da operação politicamente mais fortalecido depois de bombardear Tel Aviv e Jerusalém , onde obrigou os deputados a irem para os abrigos anti aéreos, errou porque ainda faltam dois meses e a eleição se complicou mais e errou porque enfraqueceu ainda mais a Autoridade Nacional Palestina, na Cisjordânia, asfaltando o caminho para o poder do Hamas lá também.
Neste sentido,  podemos dizer que o governo Bibi- Liberman quis a operação, acreditava que ela seria simples e importante (coloca-se aqui também o Ministro da Defesa Barak, cujo partido sequer teria votos, segundo as pesquisas, para entrar no Knesset.) e não quis a entrada em Gaza e a Guerra. Esta mudança de posição ficou clara para o público em Israel (cansado dos bombardeios), para os países árabes (que leem isso como fraqueza) e para o Hamas (que interpreta isso como vitória.).
Mas por que o Governo Bibi –Liberman erra tanto, quando se trata de lidar com o conflito? Levanto aqui alguns pontos:
Primeiro esse governo não percebe, por questões ideológicas, a complexidade do mundo árabe. Está claro que o Hamas não guerreava somente com Israel, mas pelo apoio do mundo árabe e por uma posição política mais relevante entre os representantes da Liga árabe, do Irã, enfim, dos que buscam hegemonia no Oriente médio.
Está claro que depois de anos abandonado pelos países árabes sunitas(principalmente o Egito), o Hamas acreditava que as mudanças os últimos meses contribuiriam para uma transformação estratégica. Isso ficou claro quando, nos países muçulmanos a disputa midiática era para saber quem mais tinha apoiado o Hamas. No Irã, por exemplo, membros do governo dizem claramente (algo inédito até aqui), que os foguetes Farj-5 disparados pelo Hamas sobre Tel Aviv, são dados e desenvolvidos para o Hamas por eles.
 
Segundo ponto, este governo Bibi- Liberman sofre de uma espécie de “fuso horário”. Tendo sido eleito antes das Primaveras Árabes, continua funcionando, com relação aos países árabes, sem entender as novas realidades. Estas novas realidades tem como alguns componentes o fortalecimento do conflito sunita- xiita no mundo Islâmico, o novo papel do Egito do governo Mursi (mesmo sendo da Irmandade Islâmica) como mediador e o fortalecimento e legitimação de grupos mais extremistas que o Hamas na faixa de Gaza.
Por último (que vou escrever aqui), este governo percebe o Mundo Islâmico (e palestino em particular) a partir de uma perspectiva orientalista, onde são todos parte de um bloco homogêneo que caminha para o choque de civilizações com o ocidente . Isso o leva a desperdiçar oportunidades,  entendendo-as como ameaças. Este é o caso de Abu Mazen. Ao tratá-lo como irrelevante, o governo o isola e fortalece o Hamas. Abu Mazen agora tem condições menores ainda de aprovar a Declaração de um Estado Palestino na ONU. Ele não tem apoio de Israel e é visto como enfraquecido pelo mundo árabe. Em sua declaração, haveria potencial, se houvesse vontade política e imaginação, de existir em um reconhecimento da existência do Estado de Israel e de retomada dos acordos de paz. Mas, segundo modelos de comportamento deste governo, esta oportunidade também vai ser desperdiçada e ...  o Hamas é o que vai sobrar.