Somente
tive certeza do cessar fogo entre Israel e o Hamas ontem quando estava sentado em um bar de Jerusalém, acompanhando o
jogo de Manchester City e Real Madrid. Isso se deve ao fato de haver um grupo
de soldados reservistas, já de banho tomado, e assistindo, junto a outros
tantos, o jogo, além de, claro, fazer brindes a volta pra casa.
Há
algo muito simbólico em um dia como esse, quando a situação parecia piorar, com
bombardeio direto a uma casa em Rishon Letzion, a morte de mais dois
israelenses em cidades relativamente distantes de Gaza e, finalmente, um
atentado a bomba no centro de Tel Aviv, que as duas partes tenham chegado a um acordo.
Ora, não só houve um acordo, como a maior parte dos soldados mobilizados para a
operação foram liberados, alguns deles
tão rapidamente a ponto de conseguirem ver o jogo do Real Madrid. Sem entrar em
debates estruturais e burocráticos, convenhamos, depois de um dia como esse
isso parece enigmático e simbólico.
Acredito
que o governo Bibi –Liberman subestimou a reação do Hamas. Este governo tinha
como mira central acalmar a situação no sul de Israel (que já sofria com os
foguetes do Hamas) e recolocar o debate eleitoral no eixo ameaça externa-
segurança nacional. Seguindo esta percepção, o governo errou.
Errou porque os
cidadãos do sul de Israel já esperam a próxima rodada de bombardeios e não
estão seguros, errou porque o Hamas sai da operação politicamente mais fortalecido depois de bombardear Tel Aviv
e Jerusalém , onde obrigou os deputados a irem para os abrigos anti aéreos,
errou porque ainda faltam dois meses e a eleição se complicou mais e errou
porque enfraqueceu ainda mais a Autoridade Nacional Palestina, na Cisjordânia,
asfaltando o caminho para o poder do Hamas lá também.
Neste sentido, podemos dizer que o governo Bibi- Liberman quis
a operação, acreditava que ela seria simples e importante (coloca-se aqui
também o Ministro da Defesa Barak, cujo partido sequer teria votos, segundo as
pesquisas, para entrar no Knesset.) e não quis a entrada em Gaza e a Guerra.
Esta mudança de posição ficou clara para o público em Israel (cansado dos
bombardeios), para os países árabes (que leem isso como fraqueza) e para o
Hamas (que interpreta isso como vitória.).
Mas
por que o Governo Bibi –Liberman erra tanto, quando se trata de lidar com o
conflito? Levanto aqui alguns pontos:
Primeiro
esse governo não percebe, por questões ideológicas, a complexidade do mundo
árabe. Está claro que o Hamas não guerreava somente com Israel, mas pelo apoio
do mundo árabe e por uma posição política mais relevante entre os
representantes da Liga árabe, do Irã, enfim, dos que buscam hegemonia no Oriente
médio.
Está claro que depois de anos abandonado pelos
países árabes sunitas(principalmente o Egito), o Hamas acreditava que as mudanças
os últimos meses contribuiriam para uma transformação estratégica. Isso ficou
claro quando, nos países muçulmanos a disputa midiática era para saber quem
mais tinha apoiado o Hamas. No Irã, por exemplo, membros do governo dizem
claramente (algo inédito até aqui), que os foguetes Farj-5 disparados pelo Hamas
sobre Tel Aviv, são dados e desenvolvidos para o Hamas por eles.
Segundo ponto, este governo Bibi- Liberman
sofre de uma espécie de “fuso horário”. Tendo sido eleito antes das Primaveras Árabes, continua funcionando, com relação aos países árabes, sem entender as novas
realidades. Estas novas realidades tem como alguns componentes o fortalecimento
do conflito sunita- xiita no mundo Islâmico, o novo papel do Egito do governo
Mursi (mesmo sendo da Irmandade Islâmica) como mediador e o fortalecimento e
legitimação de grupos mais extremistas que o Hamas na faixa de Gaza.
Por
último (que vou escrever aqui), este governo percebe o Mundo Islâmico (e palestino em
particular) a partir de uma perspectiva orientalista, onde são todos parte de um
bloco homogêneo que caminha para o choque de civilizações com o ocidente . Isso
o leva a desperdiçar oportunidades, entendendo-as
como ameaças. Este é o caso de Abu Mazen. Ao tratá-lo como irrelevante, o
governo o isola e fortalece o Hamas. Abu Mazen agora tem condições menores ainda
de aprovar a Declaração de um Estado Palestino na ONU. Ele não tem apoio de
Israel e é visto como enfraquecido pelo mundo árabe. Em
sua declaração, haveria potencial, se houvesse vontade política e imaginação, de
existir em um reconhecimento da
existência do Estado de Israel e de retomada dos acordos de paz. Mas, segundo
modelos de comportamento deste governo, esta oportunidade também vai ser desperdiçada
e ... o Hamas é o que vai sobrar.
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