quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Cessar Fogo e o Brinde ao Real Madrid - Michel Gherman

Somente tive certeza do cessar fogo entre Israel e o Hamas ontem quando estava  sentado em um bar de Jerusalém, acompanhando o jogo de Manchester City e Real Madrid. Isso se deve ao fato de haver um grupo de soldados reservistas, já de banho tomado, e assistindo, junto a outros tantos, o jogo, além de, claro, fazer brindes a volta pra casa.
Há algo muito simbólico em um dia como esse, quando a situação parecia piorar, com bombardeio direto a uma casa em Rishon Letzion, a morte de mais dois israelenses em cidades relativamente distantes de Gaza e, finalmente, um atentado a bomba no centro de Tel Aviv, que  as duas partes tenham chegado a um acordo. Ora, não só houve um acordo, como a maior parte dos soldados mobilizados para a operação foram  liberados, alguns deles tão rapidamente a ponto de conseguirem ver o jogo do Real Madrid. Sem entrar em debates estruturais e burocráticos, convenhamos, depois de um dia como esse isso parece enigmático e simbólico.
 
Acredito que o governo Bibi –Liberman subestimou a reação do Hamas. Este governo tinha como mira central acalmar a situação no sul de Israel (que já sofria com os foguetes do Hamas) e recolocar o debate eleitoral no eixo ameaça externa- segurança nacional. Seguindo esta percepção, o governo errou. 
Errou porque os cidadãos do sul de Israel já esperam a próxima rodada de bombardeios e não estão seguros, errou porque o Hamas sai da operação politicamente mais fortalecido depois de bombardear Tel Aviv e Jerusalém , onde obrigou os deputados a irem para os abrigos anti aéreos, errou porque ainda faltam dois meses e a eleição se complicou mais e errou porque enfraqueceu ainda mais a Autoridade Nacional Palestina, na Cisjordânia, asfaltando o caminho para o poder do Hamas lá também.
Neste sentido,  podemos dizer que o governo Bibi- Liberman quis a operação, acreditava que ela seria simples e importante (coloca-se aqui também o Ministro da Defesa Barak, cujo partido sequer teria votos, segundo as pesquisas, para entrar no Knesset.) e não quis a entrada em Gaza e a Guerra. Esta mudança de posição ficou clara para o público em Israel (cansado dos bombardeios), para os países árabes (que leem isso como fraqueza) e para o Hamas (que interpreta isso como vitória.).
Mas por que o Governo Bibi –Liberman erra tanto, quando se trata de lidar com o conflito? Levanto aqui alguns pontos:
Primeiro esse governo não percebe, por questões ideológicas, a complexidade do mundo árabe. Está claro que o Hamas não guerreava somente com Israel, mas pelo apoio do mundo árabe e por uma posição política mais relevante entre os representantes da Liga árabe, do Irã, enfim, dos que buscam hegemonia no Oriente médio.
Está claro que depois de anos abandonado pelos países árabes sunitas(principalmente o Egito), o Hamas acreditava que as mudanças os últimos meses contribuiriam para uma transformação estratégica. Isso ficou claro quando, nos países muçulmanos a disputa midiática era para saber quem mais tinha apoiado o Hamas. No Irã, por exemplo, membros do governo dizem claramente (algo inédito até aqui), que os foguetes Farj-5 disparados pelo Hamas sobre Tel Aviv, são dados e desenvolvidos para o Hamas por eles.
 
Segundo ponto, este governo Bibi- Liberman sofre de uma espécie de “fuso horário”. Tendo sido eleito antes das Primaveras Árabes, continua funcionando, com relação aos países árabes, sem entender as novas realidades. Estas novas realidades tem como alguns componentes o fortalecimento do conflito sunita- xiita no mundo Islâmico, o novo papel do Egito do governo Mursi (mesmo sendo da Irmandade Islâmica) como mediador e o fortalecimento e legitimação de grupos mais extremistas que o Hamas na faixa de Gaza.
Por último (que vou escrever aqui), este governo percebe o Mundo Islâmico (e palestino em particular) a partir de uma perspectiva orientalista, onde são todos parte de um bloco homogêneo que caminha para o choque de civilizações com o ocidente . Isso o leva a desperdiçar oportunidades,  entendendo-as como ameaças. Este é o caso de Abu Mazen. Ao tratá-lo como irrelevante, o governo o isola e fortalece o Hamas. Abu Mazen agora tem condições menores ainda de aprovar a Declaração de um Estado Palestino na ONU. Ele não tem apoio de Israel e é visto como enfraquecido pelo mundo árabe. Em sua declaração, haveria potencial, se houvesse vontade política e imaginação, de existir em um reconhecimento da existência do Estado de Israel e de retomada dos acordos de paz. Mas, segundo modelos de comportamento deste governo, esta oportunidade também vai ser desperdiçada e ...  o Hamas é o que vai sobrar.

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