quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O Holocausto e o Fenômeno Universal: É Isto Um Homem - Michel Gherman



O estudo da Shoá (do Holocausto) em Israel não é um tema antigo, nem muito menos é parte de um consenso. Até o julgamento de Eichmann (em 1961) o Shoá, as narrativas dos centenas de milhares de sobreviventes que foram vítimas do morticínio nazista eram um tabu. Tais depoimentos não cabiam na construção da memória sionista que deveria solapar a história de vitimização e extermínio trazida por judeus que estiveram em campos da morte, sofreram as piores torturas, que foram testemunhas do extermínio de famílias, comunidades e cidades inteiras.

Estes testemunhos não rimavam com o processo de construção nacional pelo qual os futuros, ou recém-israelenses estavam passando. Afora os heróicos casos de levantes armados em guetos e campos de concentração, lamentos e histórias de dor não cabiam no repertório de redenção nacional e construção de um “Novo Homem” que os sionistas traziam. 

Em seu livro “De Amor e de Sombras”, o personagem de Amoz Oz, quando criança, pergunta, sobre os sobreviventes que circulavam por Jerusalém:

“O que eles querem de nós(...) estes trapos humanos?  Por que não saíram de lá antes? Por que se deixaram apanhar? Pra que contar essa história de humilhação e vergonha? Se for pra falarem em episódios da História judaica, há coisas tão mais edificantes.(...)”

O julgamento de Adolph Eichmann destruiu estas barreiras; Em frente ao Algoz, homens e mulheres, vítimas inocentes e guerrilheiros heróis contavam o que tinham passado. Uma nação em estado de choque escutava, nas rádios e na televisão, os depoimentos, e descobriam juntos histórias que desde muito já conheciam.

Desde Eichmann as coisas mudaram muito. Ben Gurion dizia que o julgamento era didático, para mostrar (e lembrar) aos não judeus o que haviam feito dos judeus e para lembrar (e mostrar) ao judeu o que significava viver na Galut (diáspora).  Múltiplas vozes, porém, saíram do julgamento. Hoje a sociedade israelense vive a experiência do holocausto em seu cotidiano, e o conta com estas múltiplas vozes para fazer suas respectivas análises.

Por um lado, a Shoá é nacionalizada e “judaizada” em programas educacionais de escolas que receberam pra si a tarefa didática proposta por Ben Gurion. Assim, levam jovens a campos de extermínio, onde enrolados em bandeiras de Israel, gritam: “Nunca mais”.  A direção deste nunca mais são eles, os judeus. A garantia para o “Nunca Mais” é, justamente, a existência de um estado de Israel forte.

Por outro lado, há outras vozes que falam da Shoá nesta sociedade complexa e diversa. Estas vozes se esforçam para “Universalizar” sua memória. Para eles a Shoá é um crime contra o ser humano, por isso ela é importante para o conhecimento, de TODOS, judeus e não judeus, vítimas e não vítimas. Escutar o testemunho de um sobrevivente e transformá-lo em um compromisso de luta contra o preconceito contra a discriminação é um dever de ser humano, seja este ser humano judeu ou não judeu.

O historiador Yehuda Bauer nos lembra que o holocausto é um fenômeno único e que deve ser comparável, justo  para provar sua unicidade. “Não devemos isolar o holocausto da história, sob o risco de sacralizá-lo e não há nada mais profano do que sacralizar o extermínio de milhões de seres humanos”.

O uso político do holocausto é, neste sentido, comum neste país. De um lado o holocausto é “nacionalizado e particularizado”, enquanto de outro ele é “universalizado e humanizado”. Na esteira da universalização do holocausto, o educador Mario Sinay aponta a questão da seguinte maneira:

“A memória exclusivamente judaica , do holocausto é um abraço de urso. Ele nos abraça e nós ficamos sufocados. Quanto mais dissermos que a Shoá é nossa, menos ar teremos.”

Do outro lado, há uso político lamentável da Shoá que explica ameaças cotidianas e questões política ordinárias a partir da Shoá. A questão palestina, por exemplo, sob as luzes do Holocausto, ganha ares dramáticos e coloca a todos em becos sem saída. Comparar atitudes de árabes e palestinos com as cometidas pelos nazistas é faltar com o respeito e a lógica da história de todos os lados. Da mesma maneira, comparar possíveis atitudes de governos israelenses nos territórios ocupados ao que os nazistas faziam é insensato, insano e rompe com dimensões históricas elementares. Quem faz isso, ou desconhece o que foi o holocausto, ou o que é a ocupação, ou, ainda mais comum não tem ideia do que foi nenhum dos dois.

Pois bem, da boca do Ministro do Exterior de Israel, Avigdor Liberman, saiu nesta terça feira uma frase que coloca a memória do Holocausto a serviço de interesses políticos mais baixos. Comparando as ameaças de sanções dos governos europeus em reação a construção de bairros israelenses em territórios palestinos, Liberman, compara tal atitude a “práticas nazistas da época do Shoa”.

Assim, Liberman usa a memória do holocausto como um pano de chão, usado para resolver pequenas sujeiras.

Ou Liberman não sabe o que foram as politicas nazistas da Shoá, ou ele não tem ideia do que acontece nos bairros de Jerusalém oriental. Com esta frase Liberman comete uma blasfêmia na única questão que deveria ser sagrada no que diz respeito à Shoá , as memórias das vítimas da Shoá. Seja daquelas que sobreviveram ou daquelas que efetivamente entenderam, melhor que ninguém o que foi a Shoá, que são os milhões de mortos em câmaras de gás nazistas, aos ouvidos de quem tal blasfêmia soaria como uma ofensa sem igual.

Adaptando a frase de Primo Levi: “Se eu fosse uma das vítimas do Nazismo, cuspiria de volta esta frase no rosto de Avigdor Liberman.”

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